quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Apenas um Nickname...
(última parte)

Sala de Jazz

A sala de jazz começava a ter uma freqüência maior. Agora muitos nick’s encontravam o caminho dela.

Começava a virar hábito chegar em casa ligar o computador e ao mesmo tempo em que via e-mail e notícias on line, entrar na sala de Jazz.
Nossa entrada na sala (a de Gero e a minha) era sempre anunciada por uma midis. Eu entrava, colava uma música e saía da frente do computador para fazer outras coisas, pois sabia que ao chegar, ele colaria outra música, mesmo que fosse por cima da que eu estava ouvindo. Funcionava meio como código. Era muito gostosa esta convivência.
Um dia num desses rituais, estando afastada do PC, ouvi a música “Medida da Paixão” (Lenine), aproximei-me do computador e comecei a digitar uma mensagem, não esperava ouvir esta midi.

- Gosto dessa música. A letra é belíssima, tem muito de mim...
- Essa música, letra e harmonia, transcreve o olhar da alma, o descuido da razão.
- Fico exposta...( eu pensava... sim, quantas vezes a nossa razão se perde por descuido...)
- Faz os olhos marejarem...
- Qual a cor dos seus olhos?
- Escuros... negros como as asas do anu.Como a profundeza do mar...
- Você é um poeta.

Respondeu com “Amplidão” (interpretada por Elba Ramalho), comentei que a letra nos leva a querer um porto seguro. Dá a segurança para ancorar o barco. E ele responde dizendo:

- Cais...(ele disse)
- Precisamos todos de um porto seguro.(retruquei)
- Ficar à deriva, também é necessário.
- Meu coração é um barco de velas içadas...
- Velas içadas sempre.
- (Sorri interiormente...)
- Rumo à deriva em alto mar...
- Hoje fiquei muito tempo à disposição do mar.
- Não gosto do mar durante o dia, freqüento-o somente à noite.
- Mas o melhor do mar é o sol...
- O dia me amordaça o verbo.

“O dia me amordaça o verbo...” – expressão não usual. Eu repetia “O dia me amordaça o verbo” e pensava no que havia lido certa vez sobre esta expressão que, pelo que entendi, descreve a luta do povo alentejano (Portugal) após a guerra. Descreve a miséria desses homens e mulheres do pós-guerra, quando os dias eram tão difíceis que nada lhes era permitido, pois a censura era rigorosa com os da terra sob domínio ainda de poderosos que lucravam com este estado de miséria. O poder político e autoritário e que imperava, determinava a sujeição dos trabalhadores, que eram braçais. A Polícia Internacional e de Defesa do Estado era poderosa, e através dela vinha a censura à comunicação escrita e falada. Assim então, se deu a expressão “amordaça o verbo”.
Bem, uma coisa eu já sabia desse nick, ou pelo menos pensava saber: ou ele era português ou filho de portugueses ou conhecia muito sobre Portugal. Voltei à sala e tinha uma pergunta escrita para mim:

- Você já viu uma borrasca?
- Não.(respondi)
- Eu já. E, lhe garanto, é muito bonita. De uma beleza indescritível.

Fiquei pensando que no mínimo eu teria todas as dores de barriga se enfrentasse uma. Não teria coragem para tanto. Só os pescadores e os marinheiros são capazes de gostar de “borrascas”, não eu.
A cada coisa escrita e outra não escrita, eu tentava construir uma pessoa por detrás daquele nickname. E, pensava em como aquela inteligência havia sobrevivido à virtualidade?!... O vocabulário rebuscado, o conhecimento, o bom gosto musical e a serenidade ao transcrever suas idéias (risos). Seguia seu raciocínio escrevendo:

- A música é o que me faz respirar... é meu oxigênio.
- Nosso... Por isso, também, pensei que você fosse músico, lembra-se? Hoje, penso nada.
- Sim, recordo-me. Isso, pense nada. O nada pode estar pleno.
- Ser ou não ser deixa de ser uma questão.
- Muito bom, alteração na escala de prioridades.
- (risos)

- O silêncio do não mais, da ida ao lugar nenhum.
- Falamos ainda de estar à deriva? (perguntei)
- Um gosto na boca, de não sei o quê...
- (rs...)Juro, daria meu reino por um papo ao vivo e em cores com você...
- O olhar perdido para sempre, preso, inexoravelmente, em outras retinas e, sem piedade ou compaixão, a alma exilada, perdida em outros passos que caminham, caminham não se sabe para onde e o porquê. Eis aí a deriva.
- Seríamos, em outra situação, tenho certeza, grandes amigos... por todas as ruas e por todos os mares da vida ou, quem sabe, o cais...
- Por todas as ruas, madrugadas escorregadias, escorregadias ladeiras, na penumbra e a saudade do que poderia ter sido.
- Seria fantástico...
- Sorrateira, espreitando todos os passos...
- Teria muito cheiro de vida.
- Trôpegos, à procura do que se perdeu no nunca mais...

Conseguir manter o nível dos pensamentos de uma conversa destas, postula muita atenção e memorização de fatos anteriores, pois que a subjetividade a torna confusa em alguns dizeres (pensava eu). Pudesse eu dar o tom de cada palavra ao escrever e descrever coisas nos pequenos detalhes para alcançar subjetivamente o significado delas. Nestas horas em que a música desenhava situações, eu chegava muito próximo da intimidade que os amigos tem. Intimidade esta, que permite perguntas e confissões. Mas ao mesmo tempo eu me questionava quanto a ter numa pessoa, que por detrás de um nick, possa parecer um ser amigo. Amigos não podem estar às escondidas. Amigos, tem rosto, tem cheiro. Diferente de um nick. Contudo, eu chegava a ter confiança neste nick. Inúmeras vezes, confiei a ele coisas pessoais. Eu estava num processo pessoal meio confuso então, falávamos sobre. E, o engraçado é que ele com suas observações sempre me fazia refletir. Assim, muitas vezes fui salva pelo gongo (risos). Eu fechava os olhos e ficava tentando compor, ao meu interesse, uma pessoa por detrás daquele nickname. Me sentia a própria dona da criação. Seria o amigo ideal, a pessoa ideal na convivência num plano real. Bom gosto musical, linguajar rebuscado, conversas inteligentes... Trazia concepções de vida que mostrava uma experiência rica em atitudes e resoluções de problemas, pelo menos no que conversávamos, e eu trazia para o meu dia, me ajudava naquele momento. Do quê mais pode precisar uma pessoa para ser considerada “amiga”? Agora, talvez, só precisava ser ao vivo e em cores.
Tinha dias em que tomávamos vinho juntos... (risos). Ríamos de coisas corriqueiras, ele sempre com um elegante cuidado em não julgar fatos e/ou pessoas envolvidas nestes – era assim quando falávamos sobre as questões de responsabilidades sociais. A cada dia eu sentia por este nick um carinho muito grande e o comparava com um dos meus (poucos, mas verdadeiros) melhores amigos. Eu o imaginava muitas vezes como sendo um desses. Tinha vontade de convidá-lo a uma roda de bate-papo com os outros. E, quando o fazia, vinha escrito na tela: “risos...” E, no entanto, quando eu comentava com amigos reais sobre esta amizade, eles questionavam sobre ser ou não possível uma relação de amizade, já que a distância existente na virtualidade não se pode medir em Km, pois a distância virtual ao mesmo tempo em que existe, também é ilusória. Eu pensava então naquela solidão que eu tinha visto logo que entrei nas salas, ela existe de fato dentro de cada um... e, agora eu estava também incluída neste grupo. Apesar de eu nunca ter sentido às claras, esta solidão existe. Agora, ela me parece ser uma coisa natural de cada ser, talvez e justamente por sermos unos e indivisíveis. Uma solidão própria dessa condição do existir. Uma solidão que em mim, até antes das salas, eu jamais havia percebido a existência. Mas eu não a via como sendo um estado nocivo. Não, pelo contrário, sentia neste mais uma possibilidade de descobertas sobre mim mesma. Mais possibilidades de encontros comigo mesma, já que tendo plena consciência das relações virtuais poderia a todo momento mergulhar no meu íntimo, e rever conceitos sobre tudo existente no mundo. Então, aquilo que me parecia irreal tornava-se real diante de tantas possibilidades no meu autoconhecimento. Quem diria?!...

O tempo passando...
Por questões de foro íntimo, comecei a me distanciar um pouco da sala de Jazz, mas sentia falta quando não podia estar lá. Com isso, às vezes em que encontrava o meu amigo virtual começavam a ficar escassas. Então, certa vez perguntei-lhe sobre sua vida. Ele não querendo responder ou por estar num momento delicado não sei, pela primeira vez foi indelicado comigo. Senti naquela hora uma sensação muito parecida com a que a gente sente no plano real – mágoa. Respondi com a reação natural de quem está magoado. Neste momento me dei conta da força da essência de cada um de nós seres vivos. Um pensamento ecológico povoou minha cabeça naquele momento. Eu pensava nas reações da vida em todo o planeta, quando respondia às agressões feitas em pontos equidistantes. Na vida de cada um de nós como parte de sistema maior, em cadeia e, que reage às provocações adversas. Nossa!... A inteligência humana chegou a isso... transportar sensações em ondas eletromagnéticas. Caramba!!! Sensacional!!!
Mas, voltando ao assunto, estar magoada e reagir como tal, na virtualidade tem um prazo de validade diferente (risos), ao LOGOFF tudo pode realmente ser encerrado. Vida virtual que segue. Assim, nos dissemos coisas desagradáveis e tanto um quanto outro teve a sua parcela de mágoas sentidas e farpas lançadas. Estremecida a nossa relação de amizade virtual de pelo menos quatro meses de encontros diários (maioria desses meses). Uma pena! Talvez, repito, talvez se, no plano real, um grande abraço pudesse ter sido o remédio e acalanto nesse momento. Mas, na virtualidade, eu teria que aprender muito para chegar a dar e sentir este abraço. Eu teria que dispor dos meus ransos de incredulidade para acompanhar o raciocínio de quem já se dispôs e age naturalmente no mundo virtual. Eu teria que entender que a virtualidade é uma grande avenida com muitos acessos, muitas esquinas... E, que a qualquer momento a gente pode estar diante da mesma situação, talvez até com o mesmo nick (em essência humana), mas com uma “roupagem”(nickname) diferente...
Hoje, passado um certo tempo, ainda sinto falta desse amigo que ficou perdido neste espaço... nesta imensidão de nada. Às vezes reconheço um pouco dele num e noutro nick. Já o busquei em muitos desses nicks que conheci nas minhas andanças pelas salas. Contudo, percebi que, assim como no plano real, as relações são alteradas de acordo com a “escala de prioridades” de cada ser virtual. Na vida é assim, desfeitos interesses, sonhos, projetos etc, as relações mudam. E, apesar da virtualidade, somos vida dentro dela. Damos movimento a ela. Deixamos nela parcela do que somos. Espalhamos nos quatro cantos dessa enorme sala aquilo que temos por dentro. Sei que por onde este amigo estiver em alguma coisa de um nick qualquer, hei também de ser reconhecida. Tenho comigo a esperança de um dia poder novamente teclar e ouvir ainda um pouco de Jazz com este nick que me despertou a curiosidade para o campo das relações de afeto na virtualidade. A ele sou grata. E, aqui fica, na virtualidade, o meu carinho e aquele abraço que ainda não sei dar, mas que com certeza ele sabe como recebê-lo. Um beijo, Gero Avaton...

2 comentários:

  1. Pensei que terminava diferente. Merecia.
    Meu primeiro comentário é este. Estou acompanhando o seu blog. Gostando muito. Parabéns.

    Cássia

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  2. se eu fosse ele não sumia
    ficava com vc pra sempre rssssssss

    Homem Sério (meu nick)

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