segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

APENAS UM NICKNAME
(parte 2)

Depois que o relógio despertou, levei ainda um tempo para acostumar os olhos abertos. Era uma madrugada muito fria, uma terça-feira que estava amanhecendo chuvosa. Meu corpo estava num mal-estar só. Tive a sensação de estar começando a ficar resfriada. Mas tinha que levantar, tomar um banho, terminar de arrumar o que eu levaria na mala, pois era dia de viajar e dormir fora de casa – às terças-feiras meu dia de trabalho fica mais extenso, viajo para três cidades diferentes – manhã numa, tarde na outra e à noite vou para uma terceira (todas no interior do Estado do Rio) onde durmo, porque no dia seguinte é dia todo de trabalho por lá. Meu Deus!..., que preguiça.
O dia passou arrastado. Vontade de voltar pra casa e dormir...

Cheguei ao hotel por volta das 19h. Fazia muito frio nesse início de noite. Uma chuva miúda enfeitava o gramado do hotel e deixava uma névoa muito baixa.
Antes mesmo de desfazer a mala para organizar o que deveria levar no dia seguinte, fiquei por algum tempo olhando pela vidraça da janela. Não lembro quais eram meus pensamentos, mas sei que fiquei bastante tempo, parada ali. Só despertei dos meus pensamentos, porque meus pés pareciam estar congelando. Resmunguei qualquer coisa, sei lá, e resolvi organizar o material para o dia seguinte. Ao retirar meu notebook da mala, resolvi ligá-lo de uma vez, assim, veria logo todas as correspondências no e-mail, e daria uma retocada nos slides da reunião do dia seguinte. Assim fiz, verifiquei e-mail, li as notícias da BBC Brasil e depois resolvi passar na sala de bate-papo – a de jazz. O ritual de entrada era o mesmo de sempre... chegando, cumprimentando quem pela sala estivesse etc. Desta vez, para minha surpresa me responderam a saudação feita. Sem que eu perguntasse, logo me veio a oferta de participar do movimentos jazzístico da sala... revezar midis junto a quem estava colando. E, era o mesmo nick da outra vez. A música fazia, agora, o papel de interlocutor entre nossos nick’s. Para cada uma que colava, a seguir vinha outra como em seqüência de respostas. Assim ficamos. Acabamos entrando a madrugada. Mas, muito interessante era o silêncio da escrita entre nós. Um silêncio quase fascinante, que se iniciava sempre ao final de uma ou outra pergunta rápida. Lógico, eu perguntava muito mais, queria entender esse processo de colar e ouvir músicas numa sala de bate-papo. Novidade total pra mim.
Comecei a achar esse movimento interessante. Foi exatamente aí, que comecei a tecer pensamentos sobre a possibilidade de escrever sobre o que eu vinha percebendo no comportamento de freqüentadores de salas de bate-papo – fora a pesquisa que era a minha proposta maior. Mas eu já não queria ficar presa somente a uma pesquisa. Queria escrever o que me fazia sentir uma experiência dessas. Começaria ali então, o meu laboratório. Escrever sobre esses momentos virtuais, que colocam as pessoas diante do desconhecido, como se o mundo terminasse ali... a dois passos. Na ponta dos dedos. Essa coisa do desconhecido, que mexe tanto com a imaginação da gente e envolve as emoções. Talvez pudesse ser perigoso, mas ao mesmo tempo, também, era fascinante.

Passamos a madrugada colando midis, escrevendo algumas coisas referentes ao jazz que ouvíamos e também sobre seus executores. Mas à medida que ganhávamos espaço no conhecimento um do outro, nossos escritos aproximavam-se mais do real. Contudo, o cuidado em não deixar-se ficar exposto, permaneceu entre nós. Essa é a lei... a impessoalidade! Eu estava aprendendo isso.
Em determinado momento, e satisfazendo a minha curiosidade em querer saber o significado do seu nickname, recebi as informações pedidas. Poucas, mas satisfatórias. Achei bacana a escolha. Neste momento, algumas associações começaram a se desenhar no meu imaginário. Comecei pensando, que pouquíssimas pessoas com idade abaixo dos 40 anos, têm tanto conhecimento musical – inda mais sobre a cultura do jazz. Mais além, sobre vinhos e Nietzche. É, o nick havia citado Nietzche ao se referir sobre a importância da música. Lógico, como amante desses gênios da Filosofia, acendi uma chama: ôôôbbbaaa!!! Vida inteligente na net. Afinal algumas impressões já estavam se formando e outras se desfazendo. Passou pelo meu pensamento que era um nick amadurecido, de gosto apurado e com uma cultura muito interessante. E, se nick tem corpo, deveria ser de hábitos saudáveis, pois vinho, jazz e Nietzche, não combinam com qualquer um. Os três precisam ser degustados com toda a categoria que se lhes confere.
Maluquices à parte, mais um dia que se foi. A volta para casa foi tranqüila.
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No dia seguinte...
Como para tudo na vida há oposição, eis que o opositor plantou-se diante dos meus quase olhos pretos e desenhou-se em ocre, num site de midis – “Sem a música, a vida seria um erro.” (Nietzche). Confesso, meu primeiro pensamento foi que o nick havia entrado no mesmo site, lido o pensamento de Nietzche, achado bonito e saiu repetindo – repetir algumas frases de efeito, impressiona. Ai... que decepção!... Meu laboratório estava prestes a ir pro ralo... eu não perderia mais tempo em conversar com mais um nick idiota.
Fiquei durante algum tempo pensando sobre o fato. E, repetia a mim mesma: no mundo virtual desenha-se, fala-se sobre quaisquer coisas, sem o compromisso de se apurar dados, fontes etc (lógico que essa é uma referência a virtualidade feita nesses moldes).

Apesar do dia anterior ter sido fantástico musical e intelectualmente, constatei que eu havia me decepcionado de verdade e, pior, com um nickname. Eu, que havia vibrado com uma vida inteligente numa sala de bate-papo onde podia ouvir o gênero musical que mais gosto, agora duvidava como antes: que tipo de ser habita essas salas? Resolvi esquecer. Mas também decidi que continuaria a freqüentar aquela sala silenciosa, para ouvir jazz e conversar com quem por ali passasse – isso, desde que não ferisse meus conceitos do lado de cá da mídia. Pensava: se teve um assim, outros nicks apareceriam e eu poderia conhecer mais um pouco desse movimento.
Voltei durante semanas, duas ou três vezes na sala. Acabei encontrando com músicos de jazz (área do meu total interesse), que opinavam sobre as midis, os sites e discutiam suas preferências no gênero. De vez em quando aparecia um maluco com nickname abaixo do nível do escracho e escrevia algumas besteiras. Os que estavam interessados em conversar de maneira civilizada ignoravam. Os malucos acabavam saindo da sala. Ficavam somente aqueles que sentiam ares de boa vizinhança e que integravam assuntos pertinentes à sala de jazz.
De certa forma, conseguimos reunir em torno do nosso interesse pelo jazz, 4 a 5 pessoas de boa educação e que começaram a dar uma roupagem agradável ao espaço. Acabou virando mania para pelo menos três de nós, passar pela sala para dar um alô – George Clonney/Jazzista e eu. E, um tempo depois, Belly e Spyro. Falávamos sobre nossos trabalhos, trabalhos musicais e acabávamos descobrindo interesses comuns nas áreas. Entre mim e eles, foram trocados e-mail para que continuássemos nos comunicando fora do ambiente da sala. Jazzista, Belly e Spyro hoje amigos queridos. De uma doçura, uma sensibilidade artística maravilhosa, os três!!! Amantes do Jazz, assim como eu.
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Estive acamada por uma semana inteira e por isso não acessei a net. Meu corpo pedia o conforto das cobertas e travesseiros macios. Tudo que viesse como proposta de movimento corporal estava fora de cogitação naqueles dias de muita febre e frio intenso.
Tenho por hábito, dormir com o fone no ouvido. Assim, adormeço ouvindo minhas músicas prediletas em mp3, e isso me deixa muito mais tranqüila. Mas nesse período em que estive acamada, nem as minhas melodias prediletas estavam me chamando a atenção.
No quarto dia, a ausência de melodias estava começando a me incomodar. Ainda com muito
desânimo, levantei-me para selecionar algumas músicas que queria ouvir. O primeiro cd que veio à minha mão, foi justamente o do Michael Bublé com My Funny Valentine – (riso). Lógico, remeteu-me às lembranças da sala imediatamente. Fiquei durante um bom tempo refletindo sobre o poder que a música tem, ao desenhar essa arquitetura, por vezes, de um passado distante. Em outras, do mais ou menos distante e ainda em outras, do mais recente. Que magia sensacional!
Olhei pro cd, ajustei-o no aparelho de som, peguei meu cobertor e me acomodei pelo sofá mesmo. Fiquei ali ouvindo, repetindo a mesma música inúmeras vezes. Inevitável o pensamento relativo a sala de jazz. Me veio como curiosidade primeiro, depois como vontade de encontrar novamente os nicks que por ali passavam, e, saber como seriam na realidade. Só, e o que eu não deveria esquecer, é que lá na sala nada é real. Esse seria o meu exercício diário, sempre que a sala me viesse ao pensamento.
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Gerovassiliou Avaton – um nickname

Uma ducha sempre faz bem ao corpo e aos pensamentos mais emergentes. Após, e sentindo-me um pouco mais animada, resolvi ir para o computador e fazer uma pesquisa sobre Gerovassiliou Avaton, isto, apesar de já ter sido informada sobre o seu significado. Mas, não sou do tipo que se satisfaz com migalhas de informações, sejam lá em que áreas forem. Minha aptidão para a área da pesquisa é notadamente verificada por todos que fazem parte das minhas relações. Inclusive, coloca-me numa condição de respeito e confiabilidade no que me proponho a apresentar, sempre.
Computador ligado, vamos à pesquisa. Imediatamente localizei o que procurava. E à medida em que lia o artigo principal da página, fazia algumas associações. Esse exercício começava a tomar corpo e também a ficar interessante.

Gerovassiliou Avaton é nome de um vinho, que, conforme informações recebidas, surgiu a 6.000 aC numa região que ficava entre o Mar Negro e o Mar Cáspio, onde localizam-se a Armênia e a Geórgia. Chegou à Grécia por volta dos 2.000 aC, através dos Fenícios. Os gregos aceitaram de bom grado a bebida e a acrescentaram-lhe inovações e o aperfeiçoaram.
Apesar da Grécia nunca ter sido um país com tradição de produção de vinhos, este, que recebe este nome lá, foi tratado de maneira especial e preservado até os dias de hoje. E, curioso, entre tantas outras coisas que aprendi sobre o vinho e este cultivo especial das uvas que são cultivadas para ele, o que muito chamou a minha atenção foi o nome Avaton. À medida, em que, eu verificava a origem do nome, desenhava-se na minha imaginação uma possível imagem do nick, pois Avaton significa “Território Desconhecido”. Adorei ter ficado sabendo disso. Que máximo!... Território Desconhecido... houve época na minha adolescência que ares de mistérios envolvendo as pessoas, era o máximo. Na minha adolescência e juventude, minhas paixões foram sempre por coisas e pessoas que envolviam enigmas. As que tinham sutilezas no olhar e nos gestos e as coisas que se misturavam às histórias fantásticas, assim como as tribos que davam origens às sociedades... seus objetos etc.
A sutileza então... nossa! As pessoas sutis são muito interessantes. Sutileza é coisa de gente inteligente, que sabe fazer o jogo das intenções ficar mais atrativo. Nas salas, tenta-se fazer isso todo o tempo. E, à medida que a gente vai se inteirando disso, percebe como esse movimento mexe no comportamento. É como se vestíssemos uma roupa nova a cada dia para ir a algum lugar interessante... no caso, este lugar é a sala de bate-papo. Essa idumentária vem no nick... É, isso mesmo!... No nickname. Começar a apresentação pelo nick, talvez seja meio caminho andado para uma extensa ou derradeira e fatal convivência nas salas. Os nicks mais sutis são os mais badalados. Imagino que, se os seus proprietários interinos fossem publicitários, talvez pudessem ficar ricos... Tem gente que consegue descobrir antes, o efeito que as palavras podem provocar nas pessoas – o “enunciado concreto”. Caramba!, isso nos remete a Bakhtin
linguista russo... Ele deixa nítido isso.

Avaton... território desconhecido. Como este nick foi bem selecionado. Admirável a escolha. Uma sutil diferença entre tantos outros. Mas, com certeza, passou por despercebido pela maioria... Excesso de sutileza?!... (riso) Quem sabe?!... Um misto de querer estar não estando, talvez. Ou mesmo quem sabe, um não querer estar, estando?!... Mistérios que a impessoalidade das salas nos oferece. Caminhos a territórios desconhecidos... rs. Trilhas de uma convivência intensa, mas no escuro... Tateando uma possível existência. Estradas sem fim, sem começo, sem meio... Sem referência real, sem cheiro... Avaton!...

Peculiaridades...

- Algumas características, mesmo em territórios desconhecidos, mostram caminhos... (colei uma música do Danilo Caymmi chamada “Nada a perder”).
- O território desconhecido é fascinante , e, tal fascínio se faz presente justamente por ser desconhecido e, até que se vislumbre quaisquer caminhos, tateia-se no escuro.
- O belo é a descoberta... em pequenas doses.
- E aí, as possibilidades de se machucar são bem maiores.
- Você acredita mesmo?
- Sim e, dependendo dos “ferimentos”, se graves, jamais se verá quaisquer caminhos.
- A luta pela cura suplanta a dor.
- E o desconhecido permanecerá “desconhecido”, inacessível.
- A luta para suplantar a dor, já é o caminho.
- Talvez não haja condições para suplantar a dor e o desconhecido permanece inalterado na sua beleza do inatingível.
- RS...(sorri por dentro... ele fazia um jogo interessante de reflexões, e continuava...)
- ... do não palpável, muito distante do lugar comum.

Avaton!!!
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2 comentários:

  1. Comentário de Coração Vazio

    Se Suave é o Veneno, mais suave ainda é a sensação deliciosa que sentimos ao ler (e às vezes até mesmo reler) as experiências vividas em salas de bp...Realmente vc está de parabéns...A leitura é agradável e faz-nos recordar conversas e experiências trocadas com pessoas...muitas das quais fazem da virtualidade seu sonho real de serem princesas e príncipes a caminho do seu castelo de ilusões...aonde tudo é perfeito e mal algum consegue chegar... (O Avaton desejado)...Mal posso esperar pela continuação...não demora..sai da sala um pouco e vem aqui tá? rsrsr

    Coração Vazio (apenas no nick)

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  2. Amiga... este blog vai fazer muito sucesso. Que lindo! Parabéns! Estou muito feliz em participar desta história. Feliz ainda mais em conhecer você que é uma pessoa tão especial.Não só pra mim. Quero deixar aqui o meu carinho e vou espalhar pra todo mundo que conheço. Tá lindo isso aqui. Muito Lindo mesmo. Beijão pra você linda.

    Kátia

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